Conhecer a vida marinha

Esta localização privilegiada serve de passagem a inúmeras aves e mamíferos marinhos como as baleias, que a par das populações de golfinhos residentes fazem as delícias de quem tem a oportunidade de os contemplar.

Aves

Quer no litoral, quer em pleno mar, o Barlavento Algarvio é uma das mais interessantes áreas para a observação de aves em Portugal. Se, por um lado, os habitats terrestres albergam populações de aves de ocorrência fundamentalmente mediterrânica (p. ex. toutinegras-tomilheiras Sylvia conspicillata ou toutinegras-carrasqueiras Sylvia inornata iberiae), e mesmo ibérica (como o charneco Cyanopica cooki), com elevado interesse para observadores de aves de países europeus mais a norte, que nos visitam regularmente, por outro lado é no período migratório, principalmente no pós-reprodutor, que coincide grosso modo com o fim do verão e do outono, que a zona do Barlavento Algarvio se torna verdadeiramente especial.

Nessa altura, a zona costeira do Barlavento, e principalmente a zona de Sagres, é um ponto tradicional de passagem para vários tipos de aves que migram desde o norte da Europa ao longo da costa atlântica. As aves marinhas, aquelas vulgarmente denominadas aquáticas (mais associadas a zonas costeiras, estuarinas e de água doce), os passeriformes (pequenas aves canoras), as aves noturnas e as aves planadoras, concentram-se aqui rumo aos locais de invernada em África.

No caso das aves planadoras (aves de rapina e cegonhas), incapazes de voar sobre o mar durante longos períodos, e assim fundamentalmente migradoras terrestres, Sagres representa um beco sem saída. Por inexperiência, um grande número de juvenis de diversas espécies tomam instintivamente um rumo sudoeste na sua migração. Ao chegar a Sagres, deparando-se com a imponente massa de água atlântica, são obrigados a seguir a costa algarvia rumo a Gibraltar, principal ponto de passagem para África para as aves planadoras da Europa ocidental. Entretanto, concentram-se por vezes em números impressionantes, sobre a península de Sagres. Por exemplo, durante o mês de novembro, já foram registados num único bando mais de 2000 grifos Gyps fulvus com os quais se misturam ocasionalmente cegonhas-negras Ciconia nigra, abutres-pretos Aegypius monachus e várias espécies de águias, inclusivamente indivíduos juvenis das raríssimas águias-imperiais-ibéricas Aquila adalberti, um endemismo da nossa península.

A passagem de aves planadoras ocorre desde meados de agosto, com predominância de milhafres-pretos Milvus migrans e a passagem dos tartaranhões-caçadores Circus pygargus, até fim de novembro, e os picos de diversidade ocorrem entre o final de setembro e início de outubro, período em que as águias-calçadas Aquila pennata, outra espécie emblemática do local, ocorrem em maior número. Nessa altura, vale a pena participar no Festival de Observação de Aves de Sagres.

No caso das aves marinhas, no cabo de São Vicente pode ver-se a passagem de aves num eixo norte-sul, ao longo das rotas de migração. Em alguns dias, pode ver-se dali um fluxo de milhares de alcatrazes Morus bassanus por hora!

A região inclui também zonas de alimentação, importantes durante todo o ano. Os canhões submarinos de Portimão e de Sagres providenciam uma grande concentração de alimento para estas aves, da mesma forma que o fazem para os mamíferos marinhos, para os tubarões e outros animais marinhos.

Das espécies marinhas que aí ocorrem regularmente, destacam-se os alcatrazes, muito numerosos, as cagarras Calonectris diomedea borealis, as pardelas das Baleares Puffinus mauretanicus, em declínio acentuado mas ainda facilmente observáveis, e a galheta Phalacrocorax aristotelis, que nidifica em falésias costeiras da região. Podem ver-se com relativa facilidade em saídas de mar alguns migradores do hemisfério sul, de grande interesse para os observadores de aves europeus, como os cagarros-de-coleira Puffinus gravis, as pardelas-pretas Puffinus griseus (que detêm o recorde de maior distância percorrida em migração, mais de 64.000 km num ano) e os paínhos-casquilho Oceanites oceanicus.

O Barlavento Algarvio inclui uma porção importante do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, uma extensa área sob classificação de rede Natura 2000 e diversas áreas denominadas Important Bird Areas (IBA) pela Birdlife. Algumas zonas de importância ornitológica no litoral do Barlavento Algarvio são a ponta da Piedade em Lagos e o Leixão da Gaivota em Ferragudo, e ainda as zonas húmidas da ria de Alvor, do estuário do rio Arade e da Lagoa dos Salgados, junto a Pera.

Nesta região já foram registadas a maioria das quase 400 espécies de aves listadas no distrito de Faro.

 

Mamíferos marinhos e grandes peixes pelágicos

Deixando o abrigo terrestre e embrenhando-nos pelo mar aberto, o barlavento Algarvio é um local privilegiado para a observação de cetáceos. Ao longo da sua linha de costa destacam-se Albufeira, Portimão, Lagos e Sagres como os pólos com maior oferta de empresas a operar. Estas empresas levam o turista a observar estes animais em ambiente selvagem a bordo de embarcações rápidas ou em catamarans com maior capacidade de passageiros. Uma viagem típica dura entre 1h30 e 3h e podem ser avistadas, num dia bom, diversas espécies de golfinhos e algumas de baleias. Com taxas de avistamentos superiores a 90% a maioria das empresas a operar oferecem um produto de qualidade que para além de deixar o turista maravilhado contribui para a sua educação e sensibilização ambiental.

No Barlavento Algarvio apontam-se três áreas onde aparentemente haverá uma maior concentração de mamíferos marinhos: Canhão de Portimão, Caneiros da Ponta da Piedade e Canhão de S. Vicente/Sagres.

O canhão de Portimão é um vale subaquático que se inicia cerca de 12 milhas a sul da barra do Rio Arade, ao largo da Praia da Rocha. Nesta zona, com elevados declives no fundo marinho, a profundidade cai abruptamente dos 100m para os 300m, até atingir uma profundidade de 2000m. Esta formação influencia as correntes na zona contribuindo para um fenómeno conhecido como ressurgência ou upwelling, com a subida à superfície de água profunda, rica em nutrientes. Estes são a base da cadeia alimentar, permitindo o desenvolvimento do fitoplâncton. O mesmo tipo de fenómeno de ressurgência ocorre em maior ou menor escala nas áreas supracitadas suportando uma cadeia alimentar complexa e abundante. No final desta cadeia alimentar encontraremos espécies como as baleias, golfinhos, tubarões, tartarugas, grandes peixes pelágicos e numerosas aves marinhas.

Cerca de 26 espécies de cetáceos podem ocorrer nas águas portuguesas, mas 5 são avistadas com maior frequência nas saídas turísticas de observação no Barlavento Algarvio, são elas o Golfinho-comum, Golfinho-roaz, Grampo ou Golfinho de Risso, Boto e Baleia-anã.

O turista afortunado poderá ainda ser presenteado com um encontro com espécies menos comuns, mas de ocorrência ocasional nestas águas. Num dia de sorte poderão ser observadas Baleias-de-bossa (Megaptera novaeangliaea) na sua migração anual norte-sul; Orcas (Orcinus orca) perseguindo os cardumes de atum-rabilho; Baleias-comuns (Balaenoptera phylsalus) e Baleias-sardinheiras (Balaenoptera borealis) em migração de e para as zonas de alimentação mais a norte; Baleias-piloto (Globicephala sp.) ou os sempre frenéticos Golfinhos-riscados (Stenella coeruleoalba).

Existem no Algarve diversas espécies de grandes peixes pelágicos desde os tubarões, como a tintureira, o anequim, o tubarão-martelo ou os zorros, passando por outros peixes como o dourado e o espadarte até aos grandes espadins (marlins) e aos cobiçados atuns. Com maior ou menor grau, todas estas espécies desenvolvem migrações assinaláveis, para alimentação e reprodução, cruzando o Atlântico e muitas vezes entrando e saindo do mar Mediterrâneo. Destas destacamos duas pela sua importância em termos de importância que representam para um turismo de natureza, a tintureira e o atum-rabilho.

Espécies de mamíferos marinhos

Golfinho-comum (Delphinus delphis)

A espécie mais abundante e avistada no Algarve. Muito ativa, curiosa e com comportamentos aéreos, proporciona momentos inesquecíveis a bordo. É um golfinho relativamente pequeno com um padrão tricolor com barriga branca, flancos amarelos e dorso negro. Avista-se em grupos que vão desde poucos indivíduos até várias centenas sendo que um grupo típico observado no Algarve é composto por cerca de 20 a 30 animais. Muitas vezes são avistadas mães com crias muito pequenas ou mesmo recém-nascidas o que indica que as nossas águas são um local de nascimento. O golfinho comum alimenta-se maioritariamente de pequenos peixes como a sardinha e a cavala podendo ocasionalmente capturar também lulas e outros invertebrados.


Golfinho-roaz (Tursiops truncatus)

Esta é a espécie mais conhecida de golfinho. São animais grandes e possantes de cor cinzenta e bico curto e forte. Um adulto pode medir cerca de 4 metros e pesar 600 kg. Alimentam-se maioritariamente de lulas e peixes podendo no entanto perseguir outras presas até águas pouco profundas como estuários e rias onde os encurralam. Existem várias descrições de grupos de roazes que empurram até estas áreas cardumes de pargos, chocos e corvinas, daí o nome vulgar que têm em muitas zonas do país de Roaz-corvineiro.

No Barlavento Algarvio encontramo-la habitualmente em grupos de 10 a 30 indivíduos. Estes grupos familiares têm muitas vezes animais jovens e recém-nascidos mas também animais adultos de grande porte. Na zona do canhão de Portimão em particular é conhecida a sua associação com as embarcações de arrasto de fundo que aí operam. É muito frequente que atrás de um arrasto deste género encontremos um grupo de roazes que se alimenta oportunisticamente desta pesca. Na zona de Cádis já foi inclusivamente documentada, através imagens de vídeo, a entrada e saída intencional destes animais da rede de arrasto, para se alimentarem, durante uma operação de pesca.


Grampo ou Golfinho de Risso (Grampus griseus)

Um golfinho grande de tamanho semelhante ao golfinho-roaz mas sem bico. De cor cinzenta à nascença vai perdendo a coloração ao longo da vida. Os indivíduos adultos têm uma coloração branca e corpo completamente coberto de cicatrizes. Estas cicatrizes advêm, não só de comportamentos de socialização, mas também de alimentação. Esta espécie pode mergulhar até cerca de 500m de profundidade, tendo as lulas e outros cefalópodes como principal fonte de alimento. São avistados com maior frequência em áreas de elevado declive batimétrico e maior profundidade como os canhões submarinos de Portimão e de São Vicente. Podem estar imersos por vários minutos reaparecendo à superfície por vezes a centenas de metros de onde mergulharam.


Boto (Phocoena phocoena)

Os botos pertencem a uma família diferente dos golfinhos supracitados. Não têm bico e apresentam diversas características anatómicas e estruturais distintas. São animais costeiros, pequenos e bastante tímidos. A sua observação é muito difícil pois habitualmente não se aproximam das embarcações e têm uma deslocação errática mudando constantemente de direção. Alimentam-se muito junto ao fundo buscando pequenos peixes, crustáceos e cefalópodes. No Algarve são muitas vezes avistados junto à costa no início ou fim dos passeios, espalhados em grupos de poucos indivíduos. Na maioria das vezes um avistamento de botos consiste apenas na observação fugaz das pequenas barbatanas dorsais que aparecem esporadicamente à superfície.


Baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata)

A mais pequena das baleias de barbas atinge ainda assim os 10 metros de comprimento e as 10 toneladas de peso. De cor azul escura, é por vezes visível uma mancha de cor branca na barbatana peitoral que é distintiva desta espécie. É habitualmente bastante curiosa podendo aproximar-se das embarcações e permanecer perto durante largos minutos. É um avistamento espetacular, impressionando sempre pela sua graciosidade, sendo por vezes possível observar estes animais a saltar. Encontra-se muitas vezes sozinha ou em grupos de 2 indivíduos numa área, mas já foram observadas aglomerações de 5-6 indivíduos. São por vezes observados animais pequenos em conjunto com a progenitora. Alimenta-se maioritariamente de pequenos peixes e crustáceos planctónicos.


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Espécies grandes peixes pelágicos

Tintureira ou tubarão-azul (Prionace glauca)

Trata-se de uma espécie oceânica mas que pode ser encontrada por vezes a poucas milhas da costa. Habitante das águas temperadas e tropicais um pouco por todo o mundo, é provavelmente a espécie de tubarão pelágico mais abundante no Oceano Atlântico e nas águas nacionais.

Distingue-se pela sua coloração azul e pelo seu corpo alongado e esguio, atingindo um tamanho máximo de cerca de 4 metros de comprimento. O tubarão-azul alimenta-se habitualmente de cefalópodes (lulas) e peixes, mas uma vez que esta espécie é oportunista pode-se alimentar de muitas outras espécies, assim haja oportunidade.

É indubitavelmente a espécie de tubarão mais capturada na pesca comercial de palangre (aparelho de anzol) dirigida aos grandes pelágicos como o atum ou o espadarte, quer pela sua carne quer pelas suas barbatanas. Sendo um pouco difícil a avaliação do atual estado do stock devido à sua extensa distribuição e complexos hábitos migratórios é, ainda assim, consensual que o esforço de pesca a que o stock tem sido sujeito nos últimos anos não poderá ser mantido por muito mais tempo sem causar danos consideráveis na abundância desta espécie.

No entanto a valorização desta espécie enquanto recurso vivo tem-se desenvolvido de forma considerável nos últimos anos quer pela pesca recreativa (captura e devolução ao mar do animal vivo), quer pelo desenvolvimento de atividades de observação e mergulho com tubarões. Se a primeira atividade já é realizada no Algarve desde há muitos anos, com empresas presentes em todas as marinas e portos do Barlavento, a observação por mergulho ainda não tem expressão, apesar de ter uma grande implantação noutros locais, nomeadamente no Arquipélago dos Açores. No Barlavento Algarvio, diversos operadores de pesca exploram o produto de pesca recreativa e pelo menos um projeto de cariz científico foi implementado para o desenvolvimento do mergulho com tubarões no Algarve. O projeto We like Sharks que se desenvolveu em Portimão procurou não só sensibilizar a comunidade para a conservação desta espécie, mas também testar a implementação deste produto ecoturístico na região. Os encontros com tubarões azuis de pequeno e médio porte foram uma constante durante as saídas experimentais, apontando para um grande potencial de desenvolvimento do mesmo na região. Sob o lema que “Um tubarão vivo vale mais do que morto” esforços no sentido da conservação têm sido desenvolvidos na região e a nível nacional por diversas instituições e organizações.

O grau de perigosidade desta espécie é discutível pois apesar de haver alguns ataques reportados, habitualmente estes animais apresentam-se calmos e curiosos com um comportamento pouco agressivo e previsível. Ainda assim em alturas de excitação alimentar ou em caso de naufrágios com feridos na água podem alterar este comportamento e tornarem-se bastante agressivos e perigosos para o homem. O tubarão-azul é apontado como um dos maiores responsáveis pelos ataques de tubarão durante os naufrágios da 2ª guerra mundial devido à sua abundância e suscetibilidade para atacarem quando excitados o suficiente.


Atum-rabilho (Thunnus thynnus)

Esta é a maior e mais valiosa espécie de atum do mundo, podendo atingir mais de 4m e 600kg de peso. É uma espécie pelágica que se agrega em cardumes, geralmente em águas pouco profundas, descendo a maiores profundidades durante o dia e aproximando-se da superfície durante a noite. O atum-rabilho está presente em todo o Atlântico Norte e no Mar Mediterrâneo. Realiza movimentos migratórios periódicos conhecidos há séculos e já explorados pelos romanos no mar mediterrâneo há dois mil de anos atrás.

Calcula-se que a longevidade do atum-rabilho ultrapasse os 15 anos, atingindo a maturidade sexual aos 4-5 anos. É carnívoro, alimentando-se de pequenos peixes, nomeadamente sardinhas, carapaus e arenques. É durante as migrações entre o Atlântico e o Mediterrâneo para desovar, entre Maio e Junho, voltando entre Agosto e Setembro, para passar o inverno em mares mais temperados, que pode ser observado no Algarve. Prova desta passagem foi a existência ao longo dos tempos de diversas “Armações” ao longo da nossa costa. A conhecida vila de Armação de Pera deve o seu nome a existência de uma armação para captura de atum-rabilho nessa área. Outros locais como Belixe, Almadena, Burgau, Torralta, Ponta da Galé, Olhos d’Água, Quarteira, Cabo de Santa Maria, Fuzeta ou Tavira apresentaram também estas estruturas que marcaram a vida e os hábitos das gentes do Algarve ao longo dos tempos. Hoje em dia ainda operam algumas destas armações com capturas muito interessantes desta espécie altamente valorizada e cada vez mais controlada e regulamentada na sua captura e comercialização. Nos últimos 4 a 5 anos tem-se verificado uma gradual recuperação do stock devido a estas apertadas medidas de fiscalização e cotas de pesca bastante baixas, o que faz antever que o pior poderá já ter passado, no que diz respeito ao risco de extinção comercial desta espécie, que parecia eminente durante a década passada. A observação ao vivo de um cardume de atum-rabilho é um espetáculo único e inesquecível quer pela graciosidade e pujança do seu deslocamento quer pelo tamanho impressionante dos exemplares. Hoje em dia é possível ao turista experienciar esta sensação mergulhando lado a lado com estes gigantes do mar numa das armações de engorda existentes na nossa costa.

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